Nanda não era do tipo “sexual”. Era assim que ela própria se descrevia, quando o assunto era sexo. Tinha dificuldades na cama com o marido: Raul era do tipo “sexual” e gostava de brincar com Nanda desavergonhadamente. Era típico dele:
– Nandinha (em tom de súplica infantil), pega no meu pau! E aí começava a via crucis de Nanda. Pensava: – Pôrra, que história é essa de “pega no meu pau”? Esse cara pensa o quê? Que sou marceneira: “pega no meu pau, na minha tora, na minha viga, no meu tarugo, na minha vara, no meu cacete” – desfiando o rosário de símiles usados pelo marido para designar o inoportuno caralho.
O linguajar de Raul chocava Nanda. Que amor era esse o do seu marido por aquele pau que valia para ele um dicionário de sinônimos. (Cá entre nós, leitor, o repertório de Nanda não ficava muito a dever ao linguajar erudito de Raul, pelo menos na retórica que ela usava em seus solilóquios: ela conhecia o inimigo por todos os seus nomes).
Mas, pegava. Relutantemente, pegava o pau de Raul. Talvez porque, no fundo, ficasse sensibilizada com o jeito de menino que o marido demonstrava nas coisas do sexo. Pegava como quem cumpre uma promessa à santa de devoção, por fé e por tradição. Mas, depois que pegava, vinha novamente Raul: – Isso, Nandinha, assim, assim... Bate uma uminha para mim... assim, assim...
– Pôrra, esse Raul não tem jeito! A gente dá o dedo e ele quer a mão, literalmente, a mão toda! Punheteiro, filho da puta! Que tanto goza nesse pau? – ruminava Nanda sem, contudo, nada dizer.
Batia uminha do jeito que Raul gostava. E continuava triturando os pensamentos: – Eu não sou nenhuma puxadora de escola de samba e muito menos a rainha da bateria! (Até porque Raul também não era nenhum porta-estandarte, embora estivesse sempre de prontidão, se é que o leitor me entende...). – Não sou daquelas que rebolam a bunda e deixam os homens enlouquecidos de pau duro e as mulheres desejando ser como aquela que deixa os caras de pau duro. É – eu sei – tem mulher que adora deixar o homem excitado com seus requebros, trejeitos e malícia. Mas eu não, pôrra! Não-sou-do-tipo!
Decididamente, Nanda não era do tipo sexual. E prosseguia na metáfora: – Vá lá. Se ainda fosse uma vez por ano, como acontece com os desfiles da escola de samba! Mas todos os dias? Haja pau! E haja mão, a minha! – e continuava batendo uminha, distraída com as imagens mudas da Sony instalada no quarto.
Um parênteses, caro leitor: Raul gostava de assistir uns “filminhos de sacanagem” – para apimentar o sexo, como ele gostava de dizer – acompanhando os raros boquetes de Nanda. A delicada questão requer explicação: outra idiossincrasia de Raul era a de gostar de fazer apostas conjugais sobre os pequenos eventos do dia-a-dia que valiam um boquete para quem vencesse. Bobagens de menino. Qualquer coisa: podia ser uma aposta sobre o tempo, os minutos de atraso na entrega do jornal matutino, ou o humor da empregada ao chegar para o trabalho. É verdade que Raul não tinha muita sorte nesse jogo, mas isso não o incomodava; ganhando ou perdendo, ele sempre saía no lucro. O mesmo, porém, não acontecia com Nanda que nunca viu muita graça nessa história, mas que, se tivesse que escolher, dos males o menor: preferia ganhar a partida.
E, então, era assim: quando nada de interessante estava passando na TV, ele diminuia o som do aparelho e esquecia-se no desejo de ter o pau nas mãos de Nanda. Nanda, condenada ao suplício da punheta diária, mão direita ocupada, manuseava o controle remoto com a outra e sintonizava a novela que a distraía do encargo enfadonho. Nessas alturas, já treinara a leitura labial dos personagens e a novela já ganhara fundo musical com os gemidos de Raul: – Assim, assim, Nandinha...
E Nanda remoía para si mesma: – Caralho, Raul (dadas as circunstâncias, desculpe-me o leitor, a redundância das expressões fálicas são inevitáveis). Hora dessas vou contratar uma puta para bater punheta para você todos os dias. Pronto! Tercerizo essa epopéia masturbatória! Pelo menos a trabalhadora leva uma grana, porque eu mesma não ganho nada, só canseira! – e nessas horas, lembrava de uma amiga afrancesada que gostava de dizer: – Qu’est-ce que tu pense? Que “chupá pica” non “canse”? Só nós sabemos o quanto custa! – concluía estoicamente a companheira.
Nanda parecia se animar com a solução encontrada, ainda que imaginária: – É isso mesmo, contrato uma “Irina Palm” (lembra-se, leitor, da adorável personagem do filme inglês?), de mãos aveludadas e que o levará às alturas do Grande Gozo, na consumação de uma Eterna Punheta!
Neste ínterim, Raul gozava e, como era de costume, afrouxava o que ainda poderia haver de censura, abrindo o coração: – Nandinha, meu amor, você bate uminha como ninguém mais! Você é a minha deusa das mãos de ouro!
E Nanda, ainda com a mãos molhadas da labuta, não podia deixar de pensar na bunduda do abre-alas da Salgueiro, a escola de samba que sempre ocupara um lugar especial no coração flamenguista de Raul.
Roque Tadeu Gui
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