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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Uma mulher sexual

Da série Nanda e Raul

Nanda cansou de ser uma mulher “não sexual”. Que Raul assim a considere ela até entende porque, no final das contas, o cara é que é muito tarado, só pensa em sexo, pega no meu pau daqui, pega no meu pau dalí, vem cá minha gostosona, senta no colo do papai, e vai por aí a fora. Não, Raul decididamente não conta. O que mais a incomoda é sua autoimagem: de fato, ELA se considera pouco sensual. Mas, agora, estava decidida a mudar essa história.

A oportunidade surgiu com a festa de despedida de solteira de sua sobrinha Cíntia: um bando de mulheres ajudando a amiga a despedir-se dos tempos de descompromisso, baladas e ficadas. Uma festa de arromba, só de mulheres, com total liberdade para dizer qualquer besteira e fantasiar toda sacanagem. De modo que Nanda ficou muito atenta para aprender com a experiência, de como outras mulheres são “sexuais”. Mas a sensação da noite, o grand spectacle, ficou mesmo por conta de Terezinha Pé de Serra, uma portuguesa, sexperformer, amiga de Cíntia, contratada para ensinar as mulheres sobre como deixar qualquer homem de quatro, o que, convenhamos, não é tão difícil assim. Mas, vá lá, esse era o desafio que ela propunha às participantes do bota fora da vida de solteira para botar dentro da vida de casada. E para isso, a jovem nubente deveria estar preparada para lidar com um “gajo” – como dizia a especialista lusitana – que se tornaria uma presença permanente em sua vida. Nanda pensou agora vou aprender os macetes da boa sacanagem e que Raul se cuide, ora pois, parafraseando a expressão característica da professora lusitana.

Na aula introdutória, Terezinha foi logo explicando: – Ora pois, mulher fêmea não se despe para o homem, espera que o gajo lhe tire as roupas, a desnude, se o marmanjo a quiser comer! Quem não tem competência não se estabelece, ora pois!

Bom, Raul não tinha esse problema, vivia tirando a roupa de Nanda, normalmente ele já peladão. Mas tudo bem, valeu o recado, ela tinha que se insinuar para que o “gajo” tivesse anseio de lhe tirar “o fato”. Como se insinuar?

Terezinha, com a experiência conferida pela vida, disse que não há homem que resista a uma bunda gostosa de mulher: – Se o gajo estiver zangado por qualquer razão, basta dar um jeito de mostrar-lhe o cú (lembremos que nossa professora chama de cú o que chamamos de bunda) que ele logo volta às boas falas, ora pois. Deixe cair algo à sua frente e curve-se despreocupadamente para pegá-lo de modo que o vestido erga-se o suficiente para mostar as coxas, quem sabe, generosamente, até a parte inferior do cu. O gajo deverá pensar que belo cu o desta rapariga. E daí, se competente for, tratará de dar prosseguimento ao assédio, ora pois!

Bom, aqui também não é muito problemático porque Raul não perde a oportunidade de meter a mão no meu “cu”, pensou Nanda. Mas, para atender a expectativa da mestre, talvez ela pudesse deixar cair as coisas mais frequentemente, anotou em seu caderno de apontamentos.

– Ah! Convém, nessa manobra ousada de curvar-se à frente, estar de cuecas (calcinhas, em boa tradução), porque o gajo deve permanecer com certa dúvida a respeito das intenções da companheira; a nudez completa, visualizada sob o fato facilitará as coisas para ele que, assegurando-se do desejo da mulher, poderá, precipitadamente, cair de boca, como se diz aqui no Brasil, na xereca da rapariga! Que não é o que, ainda, desejamos, ora pois. A dúvida criará o estímulo necessário à ousadia de correr o risco de interpretar incorretamente o gesto da mulher (desejaria ela apenas alcançar o objeto caído?). Homem macho, que é macho deveras, ousa arriscar e ser rejeitado, ora pois! Se não, que vá assistir o flaflu em vez de comer a mulher.

Atenta ao estilo direto e cortante da professora, Nanda elocubrou, Raul é um cara de pau, até quando eu o rejeito ele dá em cima, pega aqui, pega ali, Nandinha, vem cá minha gatinha, minha potranca, minha galinhona, filhotinha, putona, minha vadia, dependendo do grau de luxúria do pervertido! Mas, tudo bem, entendi, tenho que ser discreta, deixar o cara na dúvida, mas não desancar de vez, se não, até o Raul desiste.

E assim foi, noite adentro. A noiva bebeu todas, a ponto de sentir-se mal e perder as últimas sexy-lessons. Nanda, ao contrário, manteve-se sóbria, aproveitando as dicas de Terezinha sobre como ser mais sexual. Chegaria a hora de testar seus conhecimentos, transformarmando-os em novas competências na arte do amor. Sexta-feira, Raul vai ver!

Sexta-feira, após o jantarzinho especialmente feito por Nanda, e logo após o Jornal Nacional que Raul assiste com regularidade e fervor político-religioso. Nanda, vestindo uma camisolinha que lhe bate um palmo acima do joelho, faz de conta que vai pegar o controle da TV e o derruba propositalmente à frente de Raul.. Deixa entrever a beirada de uma tanguinha transparente, aquela que Raul lhe dera para comemorar a passagem para o ano novo. Demora-se um pouco mais do que seria o necessário para alçar o controle. Ergue-se e passa o controle para Raul que exclama: – Nannda! Que rabo!!

Nanda esperava um comentário mais discreto, mas lembrando-se de quem era o “gajo”, apenas enrubesceu: Ééé, gostou?

– Nannda! Você tem um rabo maravilhoso! Assim, você acaba comigo! Exagerado, sempre exagerado, pensou Nanda, quer ver, daqui a pouco vai pedir para eu pegar no pau dele. Ah, Raul, você não tem jeito mesmo!

E, para tirar um pouco da concentração de Raul, resolveu contar sua experiência na festa de despedida de solteira da sobrinha. Falou da figura hilária de Terezinha Pé de Serra, lembrando que ela é assim chamada porque durante algum tempo trabalhou numa boate no Rio de Janeiro, na subida da serra de Teresópolis, daí o “pé de serra” que acompanha seu nome, dado pelos frequentadores, tudo isso antes de passar a se dedicar ao trabalho de consultoria de performance sexual para jovens nubentes e senhoras que, tal como Nanda, estavam em processo de revisão de sua postura diante da sexualidade conjugal.

Falou de como, segundo a consultora, os homens gostam do “cu” das mulheres –bunda, Raul, ela é portuguesa, lembre-se –, de como eles ficam enlouquecidos ao vê-las desplicentemente mostrando as nádegas e de como precisam ficar na dúvida sobre as intenções das mulheres em relação ao sexo; isso os excita a ponto de os enlouquecer.

Raul estava totalmente atento à narrativa: – Nannnda! Já estou enlouquecido – ostentando uma nada discreta ereção. Nanda começa, então, a perceber que seus comentários estavam deixando Raul excitado e ela mesma começando a se sentir muito poderosa, muito sexual. E, num ímpeto de independência em relação à autoridade da mestre, resolveu improvisar.

– E vou lhe contar mais uma coisa, que eu não queria dizer, mas que você acabaria por descobrir.

Raul, momentaneamente, estremeceu diante da possibilidade de uma confidência picante. Continuou Nanda: – Como vamos viajar na semana que vem, resolvi fazer uma depilação “biquini”, sabe né, pra poder usar o biquini cavadinho que você me deu no Natal. Daí, a depiladora cobriu meus olhos com a venda de repouso para que eu relaxasse enquanto ela fazia o serviço. Ela comentou como eu estava cabeluda ali embaixo, enfim, do jeito que você sempre gostou, e se ela poderia aparar a “cabelereira”. Eu disse que sim, afinal vou usar o biquinho que você me deu, e continuei descansando. Depois de uns 20 minutos, ela me perguntou o que eu achava do trabalho. Rauul! Você pode não acreditar, mas ela simplesmente “zerou” a minha xereca, pelada, peladinha, o que Raul vai dizer, ele gostava tanto da cabelereira a la Vera Fischer, que fez a maior propaganda das xerecas cabeludas, o que vou dizer ao Raul? E ela ainda perguntou se eu não queria que ela depilasse atrás também! Claro, disse que não, porque não sou tão cabeluda assim, ali...

Nanda, desarvorada, falando apressadamente a perder o fôlego, contava os detalhes da peripécia com a depiladora, a ponto de não perceber a entumescência crescente de Raul que apenas conseguia balbuciar: Nannnda! Que loucura! Deixe-me ver isso de perto! – levantando a camisola da esposa e arrancando a calcinha de reveillón, num só gesto definitivo. E, tal como advertira Terezinha Pé de Serra, para os casos de manobras eróticas precipitadas, Raul caiu de boca no artigo, ora pois...

Roque Tadeu Gui

sábado, 29 de janeiro de 2011

Um romance para Cristina

Era ainda muito menina quando Cristina conheceu sua primeira paixão, nos tempos em que se inicia a despedida da inocência. Aconteceu numa rápida invasão ao quarto ocupado pela irmã moça, para a caçula uma espécie de ideal de gente grande que usa batom e vestido com peitos salientes e sempre que passava as férias na casa da família enchia os olhos de Cristininha de puro encanto e admiração, nos quais facilmente se podia ler: quando-crescer-quero-ser-igualzinha-a-você. Pois não se trata da paixão pela irmã universitária: esse apego nem se sabe quando começou, sempre existiu e num futuro ainda distante se transformaria numa amizade fecunda e cúmplice entre duas irmãs adultas.

À espreita dos pertences da irmã, o que lhe garantia a diversão das férias invariavelmente gastas no sítio da família, Cristininha esbarrou numa pilha de livros de gente grande. Menininha prodígio, menos mimada do que interessada no mundo dos maiores, lia desde os 5 anos, não demoraria muito completaria 10, já estava cansada das histórias pueris contadas nos livros da biblioteca da escola. Ali sim, no pequeno acervo da irmã de costumes de cidade grande, dona do próprio nariz e longe do domínio dos pais, ali deveria encontrar histórias de adultos, suas tramas, segredos, paixões, amores carnais, as tentações e perigos de um mundo obscuro (só as crianças dormem à noite), seduzindo com luzes coloridas, música e drogas no interior das boates e casas noturnas ou se escondendo entre quatro paredes, num quarto de motel.

O mundo de sua curiosidade não mais inocente estava todo ali! Na leitura de férias da irmã, os diários de Anaïs Nin, uma edição gasta de Delta de Vênus e um exemplar de sebo de A Casa do Incesto. Acompanhando a literatura erótica da autora francesa, o romance escrito por seu amante Henry Miller, Trópico de Câncer, publicado pela primeira vez em 1934 e proibido nos Estados Unidos até 1961. Verdadeiro deleite para Cristininha aquelas férias. Todas as tardes, apressava-se em cumprir sua cota nos afazeres domésticos, ordem expressa da mãe, enveredava pelo quarto da irmã, sequestrava-lhe uma de suas preciosidades literárias e se trancava em seu iluminado quarto, percorrendo com a sede da volúpia púbere dezenas de páginas diárias, até que a noite adentrasse o quarto com um vento fresco e a tênue claridade da lua, insuficiente para saciar o anseio pelo próximo capítulo. A inexistência de luz elétrica no sítio devia-se a um capricho ancestral do pai, auto-intitulado amigo da natureza, um desses insuportáveis xiitas ecológicos. Depois do jantar, a sobremesa era degustada pela menina no próprio quarto à luz de uma robusta lamparina. No prato, mais uma leitura secreta, os poemas de Bocage.

Aquele verão no sítio transformou Cristininha numa contumaz devoradora de livros. No verão seguinte, sempre provida da pilha de livros da irmã, renovada a cada novo retiro no sítio, Cristininha penetrou no Complexo de Portnoy, com o qual Philip Roth escandalizou meio mundo e foi consagrado pela outra metade no final dos anos 60, revelando de um jeito engraçadíssimo o fantástico e sombrio mundo de Alexander Portnoy, seus problemas sexuais, suas impropriedades masturbatórias e sua tirana mãe judaica. A menina cujos olhos brilhavam ao ver qualquer conjunto de letras impressas em folhas de papel ordenadas e encadernadas sob uma capa e título sugestivos também visitou a obra de Saramago. Estavam lá, na coleção de férias da irmã, O Evangelho segundo Jesus Cristo e Ensaio sobre a Cegueira. Isto pra começar. Nas férias de julho percorreu novos volumes de Saramago, os romances de Edgar Allan Poe, outros policiais mais despretensiosos. No verão seguinte, a obra completa de Nélson Rodrigues, começando por Os Sete Gatinhos, e os contos eróticos de Boccaccio, o amigo de Petrarca.

Pouco provável que nossa obstinada leitora mirim se revelasse uma pervertida garota a se excitar com os produtos mentais, certamente pornográficos, de sua leitura nada convencional. O erotismo brotado das páginas vorazmente consumidas por Cristina só aguçou seu gosto pelos livros, apurado pelos mais variados estilos e autores da literatura clássica e contemporânea. As obras selecionadas nas férias seguintes foram Dom Quixote, Morte em Veneza e O Estrangeiro, de Alberto Camus, também folheou Dostoiévski e encarou a interminável leitura de A Montanha Mágica, de Thomas Mann.

Cristininha contentou-se com a primeira e maior paixão. Tornou-se uma escritora de sucesso, com imaginação inesgotável para as tramas e desfechos contados em contos e romances, talvez as histórias não vividas no mundo da não-ficção. Instalou-se no velho sítio da família e busca sua matéria-prima em garimpos na internet, visitando sítios de relacionamentos e redes sociais virtuais. Sempre às tardes, depois de cumprir as tarefas domésticas e alimentar seus sete gatinhos, adentra o antigo quarto da irmã, senta-se frente ao seu notebook e começa a espiar os segredos e intimidades alheias, descuidosamente largados na internet. Ainda hoje sente na saliva um leve gosto do proibido.

Cláudia Carneiro