A que viemos?

Viemos para soltar a língua e dar asas à imaginação: dane-se o leitor!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Fim em três tempos

Até onde sabia, estava tudo terminado entre eles. Não dava mais, pensou ela. Como das outras vezes a coisa começou com um tom impaciente, um ar crítico, um julgamento sem escrúpulos, sobre a forma de pensar de Elza: Lá vem você com suas idéias, verdadeiras bobagens. Fala tudo que dá na telha - e tantas outras coisas foram ditas por Toni. Elza já não as escutava mais. Algo de diferente acontecia naquele momento, ao contrário de tantas outras vezes em que seu marido fora desagradável com ela. O que ela sentia de novo? Como sempre se sentia a última das mulheres. Então, o quê se elucidava para Elza? Não sabia. O que sabia é que ali estava tudo terminado. Até onde sei, está tudo terminado entre nós. Não dá mais. Outra vez, o tom impaciente, o ar crítico, o julgamento sem escrúpulos sobre minha forma de pensar: - Lá vêm você com suas idéias, verdadeiras bobagens. Fala tudo que dá na telha. Toni insiste e repete tantas outras coisas. Eu já não as escuto mais. Algo acontece comigo, ao contrário de tantas outras vezes em que ele é desagradável comigo. O que sinto de novo? Como sempre me sinto a última das mulheres. O que se elucida para mim? Não sei. O que sei é que está tudo terminado. Dúvidas. Será que algum dia tudo entre nós estará terminado? Em algum momento perceberei que minhas forças se esgotaram? Acontecerão novos insultos? Com tom impaciente, ar crítico, julgamentos sem escrúpulos sobre minha forma de pensar: - Lá vêm você com suas idéias, verdadeiras bobagens. Fala tudo que dá na telha. Toni insistirá e repetirá frases como estas. Eu já não escutarei mais. Percebo que algo está acontecendo comigo, ao contrário de tantas outras vezes em que ele é desagradável. O que sentirei de novo? A última das mulheres? Será que permitirei Toni a fazer com que eu me sinta assim? Algo se elucidará? Acabará algum dia isso tudo? Darei tudo por terminado?

Beth Mori

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Óleo de canola

23h45. Nanda e Raul preparam-se para dormir e cruzam-se no banheiro da suite, debruçando-se cada qual sobre sua pia. Raul cambaleia de sono, depois de dedicar muitas horas à revisão do relatório que precisa entregar à Sociedade de Psicanálise, todos os prazos já vencidos, sem conseguir desligar-se da tarefa inconclusa. Num gesto reflexo, alcança a escova de dentes elétrica, espreme sonambulicamente o tubo de creme dental duas vezes, puro desperdício, e começa a esfregação, sob o olhar de Nanda que acaba de massagear o rosto com a água hidratante de alloe vera, em ritual embelezador que se repete noturnamente nos últimos cinco anos.

– Raul, que tipo de óleo temos comprado?

– Hã? – o marido esforça-se para abrir os olhos. Raul costuma escovar os dentes com os olhos fechados, diz que funciona como uma meditação short style, o semblante cansado e esverdeado por olheiras.

– Óleo, óleo! Óleo de cozinha, ô gênio! Acorda prá cuspir!

– Co...mo asxx...im? Ó..lhu? – abestalhado, querendo falar, ainda que com a boca cheia de espuma.

– Sim, Raul, o óleo que a gente usa para cozinhar. Qual é o que compramos?

Num notável esforço neuroquímico para um cérebro extenuado, Raul procura decifrar a mensagem inaudita, a mente ainda atormentada por imagens persecutórias do relatório ainda-não-concluído-sabe-deus-para-quando-se-é-que-um-dia-vai-ser, e consegue articular um pensamento solitário: Não pode ser verdade o que estou ouvindo! Nanda quer saber qual é o óleo de cozinha que EU compro? – a ênfase no pronome pessoal deve-se à intromissão de um quase-pensamento de natureza esquizo-paranóide originado pela sonolência de Raul, pois, afinal, era ele que faz as compras do mês. Cacete, para que Nanda quer saber? Continua escovando os dentes, a boca transbordante de espuma. E balbuciou:

– Ca...noo...la... – mistura de pasta com saliva escorrendo pelo pescoço.

– Olha, não pode não! Li que o melhor óleo para cozinhar é o de girassol, tem elementos antioxidantes, anticancerígenos, antienvelhecimento, a favor da longa vida, da elasticidade da pele. Tem que ser de girassol. De onde você tirou a idéia de que óleo de canola é melhor?

Raul franze o sobrolho, procurando resgatar o diabo da informação na memória combalida pelo sono. Quando teriam decidido que óleo de canola era melhor do que o óleo de girassol, que usavam ANTES de passarem para o de canola? Há uns dez anos? Lembra-se apenas de ter sido uma decisão conjunta, pois Nanda sempre foi a mais ciosa em relação a alimentos e hábitos saudáveis e ele jamais ousaria fazer uma mudança tão drástica na dieta sem consultar a mulher. A ponto de, toda vez que alguém observava ao casal a boa disposição de Raul e a ausência de sinais mais visíveis de envelhecimento para os seus quase 60 anos, ele dizer: – Graças a Nanda, a guardiã de minha vida antioxidativa!

– N...um ssxei – a espuma continua a transbordar da boca mole – sssxei qui fon muit...cho tempu aaa...trásx! Ólhu d..i caa...no...laa é bomm...

– Pôrra, Raul, que informação mais torta e simplória é essa? Cara, li hoje na Biblioteca Virtual de Saúde – e começou a desfiar seu talento para a pesquisa, fartamente conhecida por Raul:

– O que diferencia o óleo de girassol dos outros óleos é a concentração de ácidos graxos. Os ácidos graxos que interessam sob o ponto de vista da nutrição, são os insaturados oléico, linolênico e linoléico, principalmente este último capaz de dissolver e eliminar o excesso de colesterol no organismo, deixando-o na taxa normal. A concentração de ácido linoléico no girassol é de 62,2%, enquanto há 21,l% de óleo oléico. Essa característica, garante ao óleo de girassol propriedades altamente reguladoras nas doenças cardíacas.

Raul ouve, ouve, acelerando a escovação, não porque queira terminar rapidamente para dedicar-se integralmente à discussão científica proposta por Nanda àquela hora da noite, após um dia exaustivo de trabalho intelectual, com a pôrra daquele relatório, a merda da psicanálise, o saco daquele paciente escolhido para ser o infeliz da hora. Não. Quer mesmo é se afogar na pasta de dente para não ter que ouvir a xaropada das explicações científicas de Nanda. Morrer ali, submerso em espuma dentifrícia produzida pela sensodyne pro-esmalte de uso diário que protege a erosão ácida e a sensibilidade, protege contra os ácidos de vinhos, frutas, refrigerantes, contém sodium fluoride (1425 ppm de Flúor) e potassium nitrate, melhor se usada de 2 a 4 vezes por dia, é claro, e escolhida por quem?

– Esx...col...hemosx jun...ntus. E...u lii, caa...no...laa ééé reco...men...dadada. E toma pasta dental escorrendo pescoço a baixo, manchando a camiseta do Vigão que Raul usava para dormir só porque era velha e macia, com alguns poucos buracos produzidos pelo tempo e uso. Baba por toda a parte, resultante do esforço de comunicação de Raul.

– Raul, que raios de psicanalista você vai ser quando crescer? Não se fundamenta em dados científicos; acredita em qualquer coisa que houve dizer. Ingenuidade, você sabe, pode levar à morte, ou a uma doença séria incapacitante. Deus, por falta de informação! EU li na BVS – se o leitor já se esqueceu, trata-se da Bibliotec Virtual de Saúde, site preferido de Nanda –, me fundamentei, apresentei minhas fontes científicas. E você, diga lá, quais são as suas?

Raul pensa em engolir a espuma abundante que já atinge o nariz, a testa e boa parte das orelhas. Avalia, com o mesmo pensamento torto esquizóide, que o sodium fluoride talvez não produza intoxicação, mas o potassium nitrate, pôrra, esse sim, com esse nome tenebroso, se ingerido em grande quantidade, deve no mínimo produzir uma parada cardíaca. Pronto, fica livre do discurso bioquímico de Nanda. Irritado, é salvo por um pensamento mais realista. Cospe toda a espuma na pia, enxágua a boca, gargareja, cuspe de novo. Escancara a boca no espelho, como sempre gosta de fazer, verifica a branquidão dos dentes – Nanda tem razão, o creme dental é bom mesmo – e dispara:

– Pôrra, Nanda, para com essa verborréia, isto aqui não é um simpósio de óleos graxos antioxidantes, isto aqui é um momento para a gente se preparar para dormir! Mania a sua de inventar uma polêmica justo na hora de dormir. EU já estou prá lá de marraqueche!

Nanda, sem entender a razão de tanta espuma e tanta explosão emocional, pontifica: – Raul, você não sabe ter uma discussão calma e equilibrada, em torno de um assunto de extrema seriedade que diz respeito à nossa saúde. E para de dizer que eu invento histórias; é verdade, sou curiosa, interessada, pesquisadora séria, e não sou leviana em meus pontos de vista. Está provado que óleo de girassol é melhor do que óleo de canola!

Raul estribucha: – Caralho, Nanda, fica com a pôrra do óleo de girassol e me deixa dormir. Em hesto último de desespero, com uma das mãos pega a toalha de banho-escova de dentes-sensodyne sodium fluoride potassium nitrate-pente de osso presente de Nanda no dia dos namorados, e com a outra, os dois travesseiros necessários para acomodar sua artrose cervical que já dá notícias e vai dormir na suite de hóspedes.

Roque Tadeu Gui

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Despedida

A hora da despedida é sempre um trago seco de aguardente. Marta não chegou a deitar-se. Apoiou-se a meias-pernas no sofá à minha esquerda, olhou-me enviesada e tomou fôlego. Recolheu coragem e anunciou seu adeus. A garganta travou, o gole desceu queimando o peito, só instantes depois me recuperei do susto e o ar voltou a habitar meus pulmões. Tentei fazer cara de cachorro acompanhando procissão ao meio-dia, sei lá dessas reações da gente que não quer revelar o desgosto da separação. Mas o desgosto estava ali, provavelmente saindo por alguma fresta de minhas ventas ou tentando se esconder nas dobras entre-sobrancelhas.
Todo aquele que sobrevive foi deixado algum dia, observou a colega, trazendo-me reflexão e certo alívio. Óbvia constatação, que de natural não tem nada. O natural-humano, quando as vísceras dão a liga que a alma clama, é unir-se, juntar-se, compartilhar. Se a liga visceral for muito espessa, o risco é de grudar.
Separação é sempre um corte na carne. Aquele que é deixado pode até ser tolerante à dor e prover cicatrização rápida. Em questão de horas o corte começa a se fechar, quando se reconcilia com a natureza das coisas: não há partida sem encontro; não há corte sem um tecido ligado que ofereça a musculatura que tensiona, relaxa e assim se movimenta. Para se morrer, tem que se viver, estar vivo.
Cinco anos se passaram, cinquenta minutos chegavam ao fim. O ar pesado, parado, do início de nosso último encontro foi-se dissipando, a conversa fluiu, os medos e dúvidas entremeavam o desejo de ir embora e prosseguir sozinha, mas estes são os temperos de toda despedida. Marta pôde dizer adeus, eu acolhi sua escolha. Antes de sair, deixou um e entre nós que permaneceu na sala e repousou em minha mente.
Talvez só tenhamos coragem de partir porque acreditamos em alguma continuidade. Coisa de maluco.

Cláudia Carneiro

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O destruidor de lendas urbanas

Seu Flávio sempre foi um homem de ir a fundo nas questões polêmicas; orgulhava-se de ter um pensamento objetivo e de ser um exímio investigador nos moldes científicos de pesquisa. Aprendera o valor do pensamento científico no curso de química industrial no qual se formara há mais de 30 anos. Um de seus orgulhos tinha sido a desmistificação da lenda urbana de que manga e leite não combinam. Pois bem, seu Flávio organizou um experimento inédito, recrutando participantes entre os vizinhos do seu bloco residencial, o suficiente para compor três grupos: um experimental e dois outros de controle. Dez pessoas em cada um deles. Cada pessoa do grupo experimental comeria uma manga acompanhada de um copo de leite, os participantes de um dos outros dois grupos comeriam cada qual apenas uma manga e os do outro grupo beberiam apenas o leite. Seu Flávio monitorou as 30 pessoas durante três dias, registrando quaisquer mal-estares que por ventura viessem a apresentar. O fato é que nosso cientista amador chegou à conclusão – para ele irrefutável, pois que a pesquisa fora realizada segundo os rigorosos princípios científicos – de que manga e leite não apresentam nenhuma incompatibilidade digestiva: nenhum dos sujeitos da pesquisa queixou-se de qualquer desconforto gástrico, quer tomassem apenas leite, quer comessem apenas manga, ou fizessem a combinação sob suspeita! Esse era o seu Flávio: um homem de ciência! Aliás, professor Flávio, como os seus vizinhos passaram a chamá-lo depois do sucesso com o experimento da manga com leite.

Pois bem, agora vem a nossa história. Professor Flávio, já nos seus 60 anos, andava preocupado com mais uma dessas informações encontradas em revistas populares que aproveitava para ler quando ia à podóloga que todo mês cuidava de uma unha cronicamente encravada. Lia as revistas com o espírito atento para detectar quaisquer indícios de alguma falácia urbana. Parece que foi em uma seção sobre vida sexual. Lá dizia que dos 15 aos 20 ou 25 anos um homem consegue ter uma ereção do pênis em ângulo de até 150 graus. A informação seguinte da tabela, perscrutada pelo professor Flávio com crescente interesse, dizia que homens entre 25 e 40 anos sofrem uma pequena deflexão do pênis, de modo que conseguem erguê-lo até os 120 graus. Seu Flávio começou a suspeitar que nesse conjunto de informações deveria haver algum equívoco. Continuou a ler o artigo com atenção redobrada. A terceira linha da tabela mencionava que homens entre os 40 e 50 anos conseguem manter o pau no máximo na horizontal, pífios 90 graus! Daí para frente, com o passar do tempo o ângulo vai declinando cada vez mais. O professor Flávio inquietou-se: ­– Se isso for verdade, quando eu chegar aos 80 anos, zero essa porra de inclinação e tô broxa de vez! Não pode ser, deve haver algo de inerentemente falso nessa informação e cabe a mim prová-lo. Mais um desafio para o destruidor de lendas urbanas, era assim que ele se autointitulava depois do sucesso com o caso “manga + leite”.

Só que o professor Flávio tinha um problema. Desta vez ele próprio era uma demonstração de que algo na estatística poderia estar correto. Seu ângulo de ereção vinha declinando ao longo dos últimos 10 anos. Até os 40 podia dizer que estava mais ou menos nos padrões propostos pela tabela, vá lá. Depois disso, as observações eram contraditórias: às vezes o pau chegava até os 90 graus, às vezes declinava para uns vergonhosos 70 graus, o professor acreditava já ter se surpreendido com alguns 100 graus, mas não tinha muita certeza, dada as circunstâncias de observação. Explico.

O professor Flávio era casado com Dª Lucinha, de 58 anos, senhora muito tranquila, tolerante com as esquisitices científicas do marido. Eram companheiros há mais de 30 anos, fiéis um ao outro e, no geral, felizes na cama, seja lá o que isso signifique. Seu Flávio, precioso quanto à importância do controle das variáveis em experimentos científicos, ponderou: ­– Minhas observações têm sido enviezadas pelo meu envolvimento com Lucinha: somos casados há muito tempo, já nos conhecemos muito bem, vá lá, a paixão já deu uma baixada, e ela demonstrou estranheza toda vez que procurei observar com rigor o grau de minha ereção. Dª Lucinha dizia: ­– Ô Flávinho, que negócio é esse de ficar olhando pro próprio pinto! Vê se se concentra no que interessa! E era aí que o pau declinava mesmo e acaba enviezando as conclusões.

E, então, cioso que era do rigor metodológico, resolveu colocar-se como sujeito da pesquisa – caso único, é verdade – mas que poderia lhe trazer subsídios para futuras pesquisas que envolvessem um número mais expressivo de sujeiros, com grupo de controle e tudo o mais que havia aprendido de método científico. Já ficaria satisfeito se o seu caso estabelecesse um contraditório ao que ele supunha ser a lenda urbana do “declínico gradativo e irreversível da ereção masculina com o passar do tempo”.

Então, como fazer? Matutou algum tempo, até que um dia a ideia surgiu. Foi na Toca do Chopp, boteco que ele e Raul – colega de beberagem, de olhar a bunda das mulheres da quadra e de conversar a respeito – costumavam frequentar. O Raul às vezes ajudava Flávio a recrutar “sujeitos” – como ele gostava de dizer – para os empreendimentos científicos.

Raul argumentou: ­– Meu caro amigo, você precisa cuidar dos aspectos éticos que envolvem tal tipo de pesquisa. Primeiro, concordo que Dª Lucinha não deva participar do experimento por várias razões, basicamente aquelas que você já elencou: muito tempo de conhecimento sexual entre vocês, a atitude desconfiada de Lucinha com seus experimentos, a dificuldade de você realizar uma observação acurada e sem interferências críticas e, por fim, a falta de credibilidade pública que poderia recair sobre seus resultados, uma vez que Dª Lucinha é gente da família, é de casa, entende? Professor Flávio, com o semblante circunspecto, teve que concordar. Raul era um puta de um auxiliar de pesquisa!

Passaram a arquitetar o experimento. Raul recrutaria uma garota de programa para ser a fonte de estímulo erótico para o sujeiro da pesquisa, este, como vimos, o nosso professor Flávio. A moça seria escolhida dentre as mais providas de atributos relevantes ao objetivo da pesquisa. Raul lembrou-se de Fernanda que cumpria jornada toda sexta-feira à noite no Bar Clinton do Hotel da Explanada. Fernanda, 1,70m, 95 cm de busto, 90 cm de quadril, moreníssima jambada, olhos castanhos amendoados, uma boca de alucinar qualquer cliente ou cientista, peito e bunda de uma Rosario Dawson. Pronto, escolhida! Sob aprovação do pesquisador titular. Os detalhes do desenho de pesquisa o caro leitor conhecerá a seguir pois vou decrever como os fatos se passaram e as inusitadas decorrências do experimento.

Pois bem, Hotel da Explanada, 16h30 de uma sexta-feira. Data e horário escolhidos por coincidir com o jogo de bocha do professor Flávio, rotina das sextas-feiras à tardinha. Enquanto isso, Dª Lucinha estaria no clube de leitura. Momento ideal.

Quarto 407, cama king-size, frigobar, música ambiente. Tudo o que a verba de pesquisa do professor Flávio podia pagar. Acerto de honorários já efetivado, assinado o termo de consentimento livre e esclarecido de Fernanda sobre a experiência, com explícita autorização para a utilização das imagens filmadas com as quais o professor documentaria o experimento. Tudo nos conformes.

Uma câmara de filmar foi colocada estrategicamente em grande angular com a cama. O professor certificou-se do foco, da distância ideal para registrar os detalhes da ereção e manteve até mesmo o áudio ligado para assegurar que todas as eventuais trocas verbais entre o sujeito e a fonte estimuladora fossem captadas. Últimas providências tomadas, deu-se início ao experimento; o cronômetro da câmara de filmagem marcava 16h48.

À medida em que se despia, o professor sentiu o pau endurecer só de olhar para Fernanda. Não deixou-se entusiasmar pelo indício de confirmação de sua hipótese porque, cientista rigoroso que era, sabia que se tratava de reação natural diante da situação inusitada, afinal jamais tocara em outra mulher além de Lucinha. Nú, recostou-se à cabeceira da cama, pernas abertas, olho fixo em Fernanda que se aproximou a cerca de dois metros do professor.

Uma informação importante, caro leitor: foi combinado previamente que não haveria intercurso sexual, ou seja, o professor Flávio não transaria com Fernanda! Não estava lá para isso! Estava em missão científica com o objetivo precípuo de, mais uma vez, desmentir informações errôneas veiculadas por revistas populares: um serviço de utilidade pública. Assim, o professor sentiria todos os efeitos das imagens de uma mulher como Fernanda, insinuante em seu desejo e promissora em seu sexo, mas limitaria sua ação à observação do comportamento de seu pênis naquela circunstância. Ato heróico, sem dúvida, mesmo para um pesquisador sério como o professor Flávio.

Então, seu Flávio lá estava, nú em pelo, pau à mostra, com Fernanda despindo-se diante dele. Temos os registros em vídeo:

Cena 1 (16h54) – Fernanda olha insistentemente para o pau do professor Flávio, que se ergue a 60 graus, marca já conhecida do pesquisador.

Cena 2 (16h56) – Fernanda desabotoa a blusa, despe-a, e apresenta o torso escultural vestido por um sultiã preto transparente. Professor Flávio pôde ver os mamilos, aparentemente duros – posteriormente, o filme tiraria qualquer dúvida; de fato, os bicos se endureceram no momento em que Fernanda avistou o tímido entumescimento de seu Flávio -, o pênis sob investigação continuou o trajeto ascensional, algo em torno dos 75 graus, segundo o medidor de ângulo DWM 40 L Professional, o melhor disponível no mercado e adquirido pelo professor especialmente para a pesquisa.

Cena 3 (16h59) – Fernanda solta o fecho de sua saia, deixando-a cair aos pés, anunciando-se numa calcinha minúscula, igualmente preta; um giro sobre si mesma e mostra a bunda para seu Flávio. Esta imagem nosso pesquisador não via há muito tempo, salvo em revistas masculinas; mas a vivo e a cores nicas! O pau do professor Flávio subiu aos 90 graus e nesse momento o pesquisador esboçou um sorriso, sinal de gozo intelectual prévio pela antevisão do sucesso científico; contudo, manteve-se sereno ­– o quanto isto era possível – e continuou a observar criteriosamente.

Cena 4 (17h04) – Fernanda libera os seios polpudos, redondos, bicos entumescidos ­– agora sim, sem qualquer dúvida a ser dirimida pela filmagem – posiciona-se de perfil para que o professor Flávio possa admirá-los. O pesquisador dirige o olhar para a curva que se delineia da base do bojo das tetas de Fernanda e que se ergue até o extremo dos bicos: ali sim teríamos algo em torno de uns 150 graus de impinação! Mas não eram os peitos de Fernanda que estavam sob investigação. Ah, se conseguisse essa proeza, atormentou-se Flávio. Momento tenso! O pau do pesquisador – não nos esqueçamos dele, leitor – chega aos 100 graus, confirmando o desmentido. Bastaria mantê-lo nessa marca por três minutos – critério definido previamente no plano de pesquisa – para que o professor se sagrasse vitorioso em sua empreitada. Seu Flávio procurou conter a euforia para que as emoções não prejudicassem a continuidade do experimento. Mas não podia deixar de pensar no furor jornalístico de suas descobertas, antevendo as manchetes: PROFESSOR FLÁVIO DESMENTE INFORMAÇÕES FALACIOSAS SOBRE O DECLÍNIO DA EREÇÃO PENIANA COM A IDADE. MAIS UMA LENDA URBANA DESTRUÍDA. Chegou a passar-lhe pela cabeça se haveria no Brasil algum prêmio científico equivalente ao Nobel norueguês. Conteve-se e voltou às observações, afinal, o pequeno desvio de atenção valeu-lhe a perda de alguns graus de ereção, deixando-o, contudo, ainda acima dos traumáticos 90 graus.

Cena 5 (17h08) – Fernanda desce lentamente a calcinha, mostrando a um professor Flávio apatetado o púbis imponente, voluptuoso, com seus cabelos densos e brilhantes. Oscila dengosamente os quadris para frente e para trás, conferindo um movimento insinuante de sexo. Professor Flávio começa transpirar, pressentindo a possibilidade do gozo antecipado, absolutamente não previsto no protocolo de pesquisa. Atento ao próprio pau, pôde notar sua arremetida para o que, avaliou, com base no DWM, seria uns 130 graus! Poderia ter dado por encerrada a experiência e saído daquele quarto de hotel coberto de glórias pelo seu triunfo científico, mas resolveu prosseguir um pouco adiante para avaliar a consistência dos achados.

Cena 6 (17h12) – Fernanda, completamente nua, uma mulher que professor Flávio jamais tivera em seus braços, perceptivelmente excitada – talvez porque aquela situação também lhe fosse inusitada, fora dos padrões usuais de sua profissão, talvez porque o ardor cientifico do professor tenha funcionado como um afrodisíaco –, de maneira igualmente não prevista no protocolo de pesquisa, dá um passo à frente e chama: ­– Flavinho, vem cá, meu bem! Me coma, Flavinho... 150 graus!

Cena 7 (17h13) – No vídeo pode-se ver cenas confusas, Fernanda sobre o professor Flávio, ela intentando uma respiração boca a boca, ele estirado no chão, desfalecido! Os batimentos cardíacos de seu Flávio chegam a 170 bpm, a sudorese se intensifica, o professor tentara se erguer da cama, não se sabe se para atender o apelo de Fernanda ou se porque já percebia a iminência do infarto que se segue!

O fato, caro leitor, é que nosso heroi salvou-se graças ao boca a boca feito pela bela Fernanda, do qual, infelizmente ele nada se lembra, e à vigorosa massagem cardíaca aplicada pela moça, conhecimentos úteis na profissão, principalmente quando se lida com clientes na faixa de risco cardíaco. A ciência saiu vencedora duplamente: pelas habilidades de nossa heroína partner que nos devolveu a salvo nosso pesquisador e pelos resultados rigorosos documentados por Flávinho, desculpe-me, professor Flávio.

Graças à prontidão de Fernanda, o professor Flávio foi atendido rapidamente no Hospital Cardiológico da cidade. Raul – que foi chamado às pressas – diz que seu amigo lá chegou, ostentando algo em torno de 80 graus de virilidade residual. Imaginou que Flávio iria se lamentar por não ter incluído entre seus objetivos de pesquisa o estudo do tempo de recuperação demandado pelo pênis de um homem sexagenário após a escalada ao Everest de Fernanda Rosário Dawson! Mas, o importante era que o professor Flávio salvara-se da empreitada.

Não sabemos muito bem quais foram as explicações oferecidas para a Dª Lucinha. Raul, fiel escudeiro do professor, forjou uma história sobre o esforço excessivo de Flávio no lançamento de uma das bochas. Parece que ela acreditou ou preferiu não esticar o assunto.

Depois de reestabelecido, o professor Flávio marcou uma reunião no bloco do condomínio para apresentar os resultados da pesquisa. Dizia que era prestação pública de contas. Pensou em convidar Fernanda para o evento, mas depois ponderou que seria melhor poupá-la da excessiva exposição, além de temer que a atenção dos ouvintes se desviasse do relato científico. Nesse dia tratou de sugerir à Dª Lucinha que fosse visitar a filha que mora no Gama.

Roque Tadeu Gui