Uma garota alta, bochechas redondas e vermelhas, com uma franja loira escorrendo pela testa larga numa cabeça bem formada que lhe conferia um ar de inteligência e decisão, uma menina forte e valente. Chamava-se Linda. Inteligente ela era, decidida também, mas adorava uma encrenca.
O que mais odiava no mundo eram os puxa-sacos, para os quais tinha um faro especial. Na escola, detectava-os facilmente. Izildinha, por exemplo, colega de escola tornou-se sua arquinimiga por ser uma notória baba-ovo.
Foi assim. Um dia, na aula de Geografia, Izildinha, toda faceira, levou um presente para o professor: três biscoitos amanteigados feitos por sua mãe, delicadamente embrulhados em um guardanapo de papel de seda que era enlaçado por uma fita rosa: – Para o senhor, professor – disse dengosamente a menina.
Linda, à náusea, acompanhou todo o ritual deplorável de puxa-saquismo, esperou que o professor se voltasse para o quadro negro e disparou contra a colega: – Puxa-saco! Puxa-saco nojenta!
Era assim, a pequena Linda tinha raiva de puxa-saco a ponto de enjoar; dependendo do exagero da babação, chegava até a vomitar, de preferência em cima da criatura.
Izildinha não deixou por menos: – Puxa-saco é a mãe! Era tudo o que Linda precisava para se atracar com a colega. Quando o professor se virou para saber que xingatório era aquele, deu com duas meninas nariz com nariz, cada uma agarrando as bochechas da outra, grunhindo e rangendo os dentes. Foi difícil desatracá-las. Até hoje, Linda guarda as marcas das unhas da baba-ovo. O fato é que Linda nunca mais olhou para Izildinha. Desprezo completo, indiferença à existência da rival, eram as armas do arsenal bélico de Linda.
Linda tinha dois irmãos, um mais velho, Mauro, e outro mais novo, Tarciso. Era apaixonada por Mauro e ai do menino que mexesse com o irmão amado. Linda partia pra porrada. Tarciso não precisava que a irmã o defendesse; em dificuldades delinquentes chamava sua gangue, formada por três ou quatro amiguinhos da pesada, a turma que dava trabalho constante para o diretor. Era do tipo que fazia e depois resolvia.
Dizem que Linda se apaixonara pelo irmão mais velho quando ainda era bebê. Mauro, com dois anos, olhava para a irmã no colo da mãe e dizia, em seu idioma infantil: – Dindaaa, dindaaa... Linda se apaixonou irremediavelmente.
Quando foram para a escola, Mauro mostrou ser um garoto inteligente e estudioso, mas um tanto contido e inseguro. Precisava de alguém que o defendesse, e lá estava Linda para cobrir de porrada o eventual agressor. Dizia para o desafeto: – Qual é? Vai mexer com meu irmão, vai? Normalmente, o oponente desistia da empreitada porque encarar Linda não era fácil, todos sabiam.
Em casa Linda era chamada de “Dinda”, lembrança do jeito carinhoso de Mauro que a família logo adotou. Na escola e no grupo de amigos, Linda nunca aceitou apelidos. Era Linda Mourisco e pronto! Quem tentasse chamá-la de “Lindinha”, “Lin”, “Lindoza”, “Lindeza”, e outras corruptelas, sabia que levaria porrada, se você menino, e bochechas arranhadas, se fosse menina, pois Linda dava tratamento à altura dos adversários.
Um dia, aos 11 anos, em plena crise de autoimagem pré-adolescente, chegou em casa e baixou decreto: – De hoje em diante, não sou mais “Dinda”. Sou Linda, Linda Mourisco se preferirem. Nunca mais foi chamada de Dinda.
Roque Tadeu Gui
Menina danada essa Linda! Muito bom, Roque, como tudo que você escreve. Me sugere algo parecido com minha série Infância. Parabéns!!!
ResponderExcluirExcelente, Roque! O estilo leve e descontraído merece uma nova série, sua, claro!
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