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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Aprender a votar


Cenas de um romance familiar

O pai resolveu ensinar a Pedro e Paulo o que significava uma eleição, pois era tempo de eleição. Falava-se muito em Adhemar de Barros e seu retumbante lema de campanha: Rouba Mas Faz! Na esperança de que os filhos tivessem melhores opções quando crescessem, o pai pensou ensiná-los a votar. (Mal sabia ele que, tempos depois, até mesmo o bordão adhemarista seria motivo de plágio...)

Prepararam as cédulas, cada qual com o nome de um dos candidatos; ergueram a cabine de votação com a devida privacidade - o voto seria secreto, motivo de grande excitação entre os meninos; construíram urna de papelão com a indispensável fenda por onde seriam introduzidas as cédulas; a urna foi lacrada, o que deixava subentendida a possibilidade de fraude, a ser evitada a todo custo. A votação transcorreria no próximo domingo.

Nos dias que antecederam o pleito (palavra que não chegou a ser empregada por razões óbvias) só se falou de eleição. Às refeições, momento sagrado para a família, o almoço fumegante servido pontualmente às onze horas e o jantar às seis e meia, o pai pregava sobre as desejáveis virtudes de um candidato, falava de Ética - oportunidade imperdível para uma consulta ao Lello Universal -, explicava candidamente que fazer era obrigação do eleito e que não era correto roubar para governar - visto está, não era adhemarista -, alertava sobre a possível tentativa de compra de votos por parte de candidatos inescrupulosos. Mas o pai gostava mesmo era de discorrer demoradamente sobre o significado da palavra corrupção, aquilo que ele chamava de “degradação aviltante dos costumes”, e que ainda poderia levar o país a grandes dificuldades sociais e econômicas. (Mal sabia ele...) Paulo, inteligente e curioso, depois que recebera escancarados elogios de Dona Santa, a professora de latim, agora queria saber a origem das palavras e perguntou se corrupção vinha do latim e o pai respondeu que sim: corruptio, corruptionis, era a etimologia da palavra, e foi preciso voltar ao Lello para entender o que era etimologia.

O grande dia chegou, e o pai não deixou por menos: pregou sobre a importância da lei seca, o que não impressionou nem a Pedro nem a Paulo, ainda abstêmios. (Mal sabiam eles...) Logo pela manhã foram à urna, e os três votantes cumpriram rapidamente com suas obrigações cívicas.

Em seguida, passaram à apuração. A urna foi aberta solenemente. Ao pronunciar-se o nome do primeiro voto apurado -Adhemar de Barros - Pedro deu um pulo de alegria, foi tomado por louca euforia, havia ganho a eleição; foi ele quem venceu?, ou foi Adhemar o vencedor?; a confusão tomou conta do menino; Pedro delirou, embora não soubesse o que era delirar, mas delirou, pirou, ensandeceu de alegria, havia finalmente ganho alguma coisa, e não era qualquer coisa, era uma Eleição!

Para surpresa de Pedro a apuração continuou. Abriu-se o segundo voto: para o outro candidato; abriu-se o terceiro voto: também para o outro candidato. Encerrada a apuração: por dois votos a um, ganhou o outro candidato, decretou o pai, definitivamente.

Pedro, profundamente desapontado, tristíssimo, inconsolável, aprendeu o que era uma eleição. Apenas não encontrou melhores opções ao longo da vida...

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