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domingo, 21 de março de 2010

Ausência

Sentia a falta dele. Eu tinha uns seis anos de idade, reclamava das ausências impostas pelo trabalho de meu pai. Ele sabia disso e procurava me tranquilizar, sempre dizia que voltaria logo, não ficaria fora mais do que alguns dias. Mas para mim era sempre uma eternidade. Sentia falta de sua atenção cuidadosa, de seu olhar meigo, dos nossos passeios “proibidos”. “Proibidos” porque eram passeios sobre os quais nada contávamos para minha mãe. Aqueles dias em que meu pai viajava eram dias de exílio da minha condição de filha querida.

“Tozinho” – era assim que chamávamos papai, e “Tozinha” era a mamãe –, Tozinho um dia teve uma idéia. Plantou um grão de feijão que mal começara a germinar no dia em que saiu para uma de suas viagens. A plantinha ficava sobre a pia da cozinha bem na direção de uma réstia de sol que se projetava sobre ela. Tozinho fez uma marca na parede, alguns poucos centímetros acima do pequeno broto e me assegurou que estaria de volta antes que a plantinha ultrapasse aquela marca. E, de fato, Tozinho retornou antes que o pé de feijão ultrapassasse a marca. A partir de então, este seria o ritual que manteria meu coração infantil apaziguado. A cada viagem, novo grão de feijão era plantado. Havia ali uma promessa de que Tozinho regressaria e meu mundo voltaria a ser feliz.

Lembro-me que durante uma de suas ausências eu estava muito agoniada com o tempo que teimava em não passar. Minha mãe tentou me consolar dizendo que Tozinho já estava para chegar. Não acreditei nas palavras bem-intencionadas de minha mãe, afinal, o pequeno ramo de feijão ainda estava à meia altura do risco que meu pai fizera na parede. Não lembro de meu pai ter quebrado a promessa uma única vez. Manteve-se fiel a mim. Anos mais tarde, ele se separou de minha mãe.

Roque Tadeu Gui

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