Estimado Senhor Medeiros,
Recentemente, o senhor solicitou-me que lhe enviasse um depoimento a respeito das experiências da minha vida, uma vez que vem conduzindo uma pesquisa acerca da qualidade de vida na terceira idade. Sinto desapontar-lhe, mas sinceramente não me considero uma legítima representante da categoria em estudo, pelas razões que agora passo a expor.
Chamo-me Totonha, quer dizer, Maria Antonieta Guimarães Vasconcelos Ribeiro Duarte. Acabei de completar noventa e dois anos no último dia primeiro. Meu apelido tem uma origem engraçada, certa vez, quando eu era bem pequena, minha família empregou uma cozinheira fanha que não conseguia pronunciar meu nome direito, era um tal de “tonha”, “atonha”, “tonhinha”, que minha mãe resolveu que dali pra frente eu deveria ser chamada de “Totonha”. Enviuvei há alguns anos e tenho cinco filhos, os quais, a propósito, vivem em outras cidades. Falamo-nos com freqüência, são pessoas de bem, duas moças e três rapazes – veja que ainda os considero jovens! – formamos uma família bonita e feliz, com noras, genros, netos e dois bisnetos.
Não pense o senhor que eu seja aquele tipo de velhinha que fica sentada o dia todo a tricotar, assistindo a um programinha água-com-açúcar para o tempo passar. Sinto decepcionar-lhe, mas meu tempo tem sido bem escasso na verdade. O senhor sabe, sempre fui muito namoradeira, quando meu falecido marido era vivo, pensa o senhor que ficávamos em casa?, não!, era um tal de viajar, de andar pela cidade e, cá entre nós, de freqüentar boates – adorávamos dançar e namorar!, O senhor ficará espantado se eu lhe contar um pouco da minha história. Será que o senhor quer mesmo saber? Bem, de todo modo, talvez me seja útil falar algo de toda essa experiência. Quando solteira, tive muitos namorados, eram tantos abraços e beijos, o senhor acredita? Casei-me com dezenove anos, tive meus filhos e quando eles cresceram, o senhor pensa que sosseguei?, não!, comecei a estudar, pois sempre quis ser bibliotecária e nunca consegui devido às exigências dos cuidados domésticos, aí eu fiz um vestibular, já devia estar com uns trinta e poucos anos, fui aprovada, fiz o curso e consegui um emprego bem interessante.
Gosto muito de sair com minha turma de amigos – o senhor não acha que eu tenho amigos?- são uns oito, alguns da minha idade e outros mais jovens. Quando saímos é muito divertido, escuto muitas histórias, rio muito. Sabe, às vezes acho que certos jovens não agüentam o meu pique, logo se cansam e dizem que precisam dormir. Minha filha parece uma velha, vive me repreendendo, dizendo que eu devia ficar mais em casa, que estes passeios já não são mais para a minha idade, que eu pareço muito assanhada. Não dou a menor bola, ela é que parece mais velha do que eu! Meu filho caçula é o maior barato, o senhor imagina que por eu gostar muito de filmes românticos, de vez em quando ele me traz uns filmes “calientes” para eu assistir? Delicio-me com filmes daqueles bons tempos, dos tempos dos cavalheiros, das sutilezas românticas, das aproximações calorosas entre os amantes, das flores matinais, da brisa da manhã acordando-nos após uma noite feliz, à luz de velas. Ah, o senhor há de convir que foram tempos iluminados, cheios de vida, de cordialidade, de brilho, algo que hoje não se vê, não é mesmo?
Poderia ficar aqui escrevendo sobre inúmeros momentos felizes de minha vida no passado, mas opto por lhe falar melhor do presente. O presente é muito bom, tenho uma vida muito feliz, converso, abraço e beijo meus amigos, vou ao cinema, faço lanches divertidos sozinha ou em grupo, caminho pela cidade a pé, encontro antigos conhecidos, coloco a conversa em dia, namoro – claro que não é mais como antes, de forma tão ardente, mas ocorrem umas bitoquinhas-do-tipo-papai-e-mamãe. Sou muito feliz e espero continuar assim até o dia em que tiver que partir.
Como o senhor pode ver, acho que não sou uma legítima representante da categoria “terceira idade” que o senhor vem se dedicando a estudar. Sinto-me na “minha idade”, o que não quer dizer “terceira idade”. Afinal, de que idade o senhor está falando?
Com afeto,
Totonha
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